A aprovação da reforma tributária no Brasil representa uma das mudanças mais significativas no ambiente de negócios das últimas décadas.
Para o agronegócio — responsável por cerca de 25% do PIB nacional e por grande parte das exportações do país — os efeitos são amplos e multifacetados.
As alterações vão além da substituição de tributos: impactam diretamente a lógica de precificação, logística, competitividade e sustentabilidade das cadeias de suprimento que conectam o campo à indústria e ao consumidor.
No modelo atual, a multiplicidade de tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) gera distorções, custos ocultos e insegurança jurídica. A reforma propõe a unificação em um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA dual), dividido entre IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Essa simplificação deve, em tese, reduzir a complexidade, ampliar a transparência e diminuir a litigiosidade. No entanto, para o agro, a transição trará desafios relevantes.
A cadeia agrícola é longa e envolve produção primária, transporte, armazenagem, beneficiamento, industrialização e distribuição. Cada elo é tributado de maneira distinta. A adoção do modelo de crédito financeiro integral — que permite compensar todos os impostos pagos em etapas anteriores — tende a beneficiar cadeias extensas, ao eliminar a cumulatividade. Isso pode aliviar custos atualmente embutidos no preço final, sem possibilidade de aproveitamento.
No atacado e na distribuição de insumos e alimentos, os reflexos também serão significativos. A logística, já pressionada por gargalos de infraestrutura, poderá sofrer ajustes nos custos de transporte e armazenagem caso a base tributária sobre determinados serviços seja ampliada. Empresas com grandes centros de distribuição precisarão reavaliar contratos, margens e modelos de precificação, sob risco de repassar aumentos ao consumidor final.
Outro ponto sensível é o fluxo de caixa. Hoje, muitas empresas se beneficiam da postergação de tributos ao longo da cadeia. Com o IVA, o recolhimento será mais linear e ágil, exigindo planejamento financeiro mais robusto — especialmente de cooperativas e indústrias de médio porte, que já enfrentam margens estreitas.
Apesar das incertezas, a reforma pode abrir caminho para maior racionalidade econômica. A previsibilidade tributária possibilita planejamento de investimentos de longo prazo, ganhos de produtividade e maior incorporação de tecnologia. O agronegócio, já reconhecido pela inovação, poderá se beneficiar de um ambiente mais transparente para operações estruturadas, como fundos de investimento e joint ventures voltadas à exportação.
Eduardo Arrieiro é sócio fundador da Arrieiro Advogados. Atua em consultoria e contencioso tributário, planejamento patrimonial, reestruturações societárias, inclusive mediante a estruturação de fundos de investimento e estruturas offshore, com foco em eficiência fiscal e mitigação de riscos. Mestre e bacharel em Direito Tributário, foi professor de pós-graduação e é reconhecido por rankings internacionais como Chambers & Partners, ITR e Leaders League.

Lonax Play – A reforma tributária promete simplificar o sistema, mas o agro tem especificidades. Quais são os principais pontos de atenção para produtores e distribuidores neste novo cenário?
Eduardo – A promessa de simplificação é real, mas não elimina a necessidade de atenção redobrada por parte dos empresários do setor agropecuário, dadas suas particularidades produtivas, logísticas e operacionais.
Um dos principais pontos é o enquadramento nos regimes diferenciados. Embora a reforma preveja um regime geral, admite exceções que serão regulamentadas conforme as características de cada setor. O agro, por exemplo, é sensível à informalidade, às perdas técnicas inevitáveis (como na exportação de grãos a granel) e à sazonalidade.
Outro aspecto relevante é a figura do produtor rural não contribuinte, cuja receita anual é limitada a R$ 3,6 milhões (corrigida pelo IPCA). Essa regra impacta diretamente a cadeia, sobretudo em operações com diferimento ou crédito presumido — mecanismos criados para evitar acúmulo de tributos e preservar a neutralidade do sistema.
Além disso, será fundamental acompanhar a definição de produtos sujeitos a alíquotas reduzidas ou zeradas, como os insumos agropecuários listados no anexo da lei complementar. A correta classificação desses produtos será decisiva para minimizar riscos fiscais e garantir competitividade.

Lonax Play – O crédito financeiro integral pode beneficiar cadeias longas, como a agrícola. Como as empresas devem se preparar para aproveitar essa mudança?
Eduardo – O crédito financeiro integral é um dos pilares da reforma. Ele permite que o empresário se credite de todo o imposto pago na etapa anterior, independentemente da vinculação direta ao produto final. Para cadeias longas e complexas, como as do agronegócio, isso representa clara oportunidade de redução do custo tributário embutido.
Mas, para transformar esse benefício em ganho real, as empresas devem se preparar em três frentes:
- Compliance tributário robusto – O fim da cumulatividade aumenta a responsabilidade pela correta escrituração dos créditos. Qualquer falha pode inviabilizar o aproveitamento.
- Gestão estratégica dos créditos presumidos – Compras de produtores não contribuintes gerarão créditos presumidos, calculados a partir de percentuais anuais do Comitê Gestor. Conhecer esses percentuais e aplicá-los corretamente será essencial.
- Tecnologia e integração de sistemas – A obrigatoriedade de documentos eletrônicos detalhados exige revisão dos sistemas fiscais e integração total com fornecedores.
Empresas que se estruturarem bem nessas áreas estarão mais preparadas para capturar ganhos financeiros e competitivos.
Lonax Play – Em termos de logística e distribuição, quais impactos imediatos a reforma pode gerar para atacadistas e indústrias ligadas ao agro?
Eduardo – O principal impacto será a tributação no destino — ou seja, o imposto será recolhido no estado onde o bem ou serviço é consumido. Isso altera a lógica atual de localização de centros de distribuição, muitas vezes instalados em estados com carga tributária mais baixa.
Os empresários precisarão reavaliar a malha logística, considerando novos critérios de competitividade tributária. Em muitos casos, aproximar estoques dos mercados consumidores poderá ser mais vantajoso do que mantê-los em estados produtores.
Outro ponto crítico é o tratamento da quebra técnica no transporte de grãos. A lei complementar reconhece que perdas são inevitáveis em operações multimodais e prevê sua exclusão da base tributária, desde que documentadas. Ainda assim, persistem dúvidas sobre os percentuais aceitos. Formalizar laudos técnicos será uma medida preventiva contra autuações.
Lonax Play – O fluxo de caixa tende a ser alterado com o IVA. Que medidas de planejamento tributário e financeiro podem mitigar riscos nesse período de transição?
Eduardo – O impacto no fluxo de caixa será significativo, sobretudo em cadeias que hoje contam com alíquotas reduzidas ou benefícios fiscais que deixarão de existir. A tendência é de aumento da carga efetiva em algumas operações, apesar da promessa de neutralidade no longo prazo.
Além disso, créditos acumulados — especialmente os presumidos — podem imobilizar capital, já que o prazo e a efetividade do ressarcimento dependerão de regulamentação.
As medidas prioritárias incluem:
- Simulações financeiras com cenários de diferentes alíquotas, considerando o cronograma de transição (2026 a 2033).
- Planejamento de capital de giro, prevendo tributos devidos na etapa final da cadeia.
- Organização documental para garantir aproveitamento e ressarcimento de créditos acumulados.
- Análise estratégica de reorganizações societárias, fusões ou centralizações para otimizar a compensação de créditos entre empresas do mesmo grupo.
Lonax Play – Do ponto de vista jurídico, quais oportunidades a reforma pode abrir para o agro?
Eduardo – A nova arquitetura tributária cria oportunidades jurídicas importantes, especialmente para grupos empresariais mais complexos ou com atuação em múltiplas etapas da cadeia agroindustrial.
Da redação Lonax Play.
Lincoln Gomide, Jornalista Responsável.
Com revisão da equipe de Comunicação da Lonax.
