O agronegócio brasileiro, motor e orgulho da economia nacional, enfrenta desafios que vão muito além do clima e das oscilações de mercado.
Entre os produtores rurais, cresce um alerta silencioso: os impactos da saúde mental no dia a dia de quem garante a segurança alimentar do país.
Em meio à solidão das fazendas, às longas jornadas de trabalho e à pressão constante por produtividade, casos de estresse crônico, depressão e até tentativas de autoextermínio começam a emergir como um problema sistêmico.

Esse cenário desafia preconceitos históricos sobre o “homem do campo” ser naturalmente resiliente e impõe a urgência de políticas, diálogos e estratégias voltadas à proteção do bem-estar emocional de milhões de trabalhadores do setor.
Especialistas em psicologia clínica têm destacado a necessidade de ampliar o debate sobre a saúde mental no campo. A psicóloga Renata Sousa Lima, com experiência em comportamento humano e estratégias de resiliência, propõe uma reflexão profunda sobre os riscos do estresse crônico, da solidão e do burnout — fenômenos cada vez mais comuns entre produtores, técnicos e trabalhadores operacionais.

Para ela, o cuidado emocional deve ser encarado como investimento essencial, tão importante quanto fertilizantes ou equipamentos agrícolas.
A realidade rural, especialmente em regiões remotas, potencializa fatores de risco muitas vezes ignorados. Distâncias extensas, isolamento social e a necessidade de lidar com variáveis incontroláveis — como o clima e a volatilidade dos preços — funcionam como gatilhos para ansiedade e exaustão.
Além disso, a exposição constante a defensivos agrícolas, o medo de prejuízos financeiros e as expectativas familiares alimentam uma carga emocional que raramente encontra espaço para acolhimento ou tratamento adequado.
Segundo Renata, reconhecer os sinais de esgotamento é o primeiro passo para evitar consequências graves, como depressão e suicídio.
Lonax Play – Renata, como identificar os primeiros sinais de estresse crônico entre produtores rurais?
Renata – Identificar os primeiros sinais de estresse crônico requer atenção a mudanças sutis, porém persistentes, no comportamento, humor e saúde física. Exemplos incluem: alterações no sono e apetite, irritabilidade, dificuldade de concentração e tomada de decisão, perda de interesse por atividades antes prazerosas (como hobbies e vida social), aumento do consumo de álcool ou outras substâncias e isolamento ou afastamento.
Lonax Play – Qual a diferença entre “resiliência” e “suportar tudo” no contexto do agronegócio?
Renata – Essa distinção é crucial para a saúde mental. A pessoa resiliente reconhece a dificuldade, sente o impacto, mas mobiliza recursos internos e externos — como pedir ajuda ou fazer ajustes — para seguir em frente de forma mais saudável e sustentável. Resiliência é flexibilidade diante da pressão.
Já “suportar tudo”, ou a tolerância zero ao sofrimento, é uma negação contínua das emoções e necessidades em nome de um ideal de força inabalável. O indivíduo segue operando, mas sob imensa sobrecarga, sem processar o estresse, a perda ou a frustração. Esse acúmulo acaba por comprometer a saúde física e mental, levando ao burnout ou à depressão.
No agro, essa cultura de “suportar” pode ser perigosa, pois impede o produtor de reconhecer seus limites e buscar apoio antes que a crise se instale. A verdadeira resiliência inclui reconhecer a própria vulnerabilidade.
Lonax Play – O isolamento social nas fazendas pode realmente agravar quadros de depressão?
Renata – Sim. O isolamento social inerente a muitas propriedades rurais é um fator de risco significativo e pode agravar quadros de depressão, além de aumentar o risco de suicídio. A falta de interação social regular e o difícil acesso a serviços — inclusive de saúde mental — criam um cenário delicado:

- Redução da regulação emocional: as interações sociais funcionam como “amortecedores” do estresse e oferecem validação emocional. Na ausência delas, o produtor fica sozinho com pensamentos que podem se tornar distorcidos e negativos;
- Sensação de peso individual: a ausência de pares com quem compartilhar desafios como seca, pragas e oscilação de preços faz o produtor sentir que o problema é único e intransponível;
- Barreira à busca de ajuda: o isolamento físico dificulta o acesso a profissionais de saúde e, em casos graves, pode fazer com que sinais de risco não sejam percebidos por terceiros.
Lonax Play – Que papel a tecnologia pode desempenhar para reduzir a solidão no campo?
Renata – A tecnologia é uma ferramenta poderosa — e ainda subutilizada — no combate à solidão no campo. Quando bem empregada, pode ser um recurso valioso:
- Videoconferências e grupos virtuais: aplicativos de chamada de vídeo podem fomentar encontros regulares entre membros de cooperativas, associações e grupos de apoio;
- Telepsicologia e telesaúde: permitem acesso a atendimento psicológico especializado, superando barreiras de distância e evitando a falta de anonimato comum em pequenas comunidades;
- Comunidades online: fóruns e grupos de produtores com interesses comuns fortalecem o senso de pertencimento e o compartilhamento de experiências;
- Monitoramento e alerta: tecnologias de smart farming e dispositivos vestíveis (wearables) poderão, futuramente, oferecer funções para monitorar padrões de sono e atividade, ajudando a identificar sinais precoces de esgotamento emocional — sempre de forma voluntária e ética.
Lonax Play – Como estabelecer limites saudáveis para evitar o burnout em um setor que exige dedicação constante?
Renata – O agronegócio é um setor com picos sazonais de alta demanda e uma fusão quase total entre trabalho e vida pessoal — afinal, a fazenda também é o lar. Por isso, prevenir o burnout exige estrutura e consciência:
- Definir horários de desconexão: estabelecer um momento para encerrar o expediente e reservar tempo pessoal é fundamental;
- Cuidar do sono e da alimentação: descanso e nutrição são a base da sustentação física e emocional;
- Delegar e confiar: investir na equipe e aprender a compartilhar responsabilidades ajuda a reduzir a sobrecarga mental;
- Valorizar o lazer: reservar tempo “não produtivo” é essencial para repor energia e manter o alto desempenho;
- Dizer “não” ao excesso: reconhecer limites e evitar assumir novas demandas quando já há sobrecarga.
O ponto central, em última instância, é reconhecer a importância dos cuidados básicos com a principal ferramenta de trabalho: a saúde mental do produtor rural.
Da redação Lonax Play.
Lincoln Gomide, Jornalista Responsável.
Com revisão da equipe de Comunicação da Lonax.
