Direitos, deveres e as armadilhas do juro alto no agronegócio

O agronegócio brasileiro segue batendo recordes de produção. O Plano Safra oferece cifras bilionárias. As feiras expõem máquinas de última geração, tecnologia de ponta e produtividade crescente. 

Mas por trás dessa vitrine existe uma tempestade perfeita se formando: custos de produção disparados (insumos, combustível, arrendamentos, máquinas financiadas), queda nos preços das commodities e juros elevados.

Essa tempestade deixa um rastro de inadimplência crescente: de 0,94% em 2023 para 5,14% em 2025 no crédito rural para pessoas físicas.

As projeções de rentabilidade da Cepea/Esalq para a safra 2025/2026 são preocupantes: queda de 36,7% na soja e 92% no milho.

O rinoceronte no meio do pasto

O advogado goiano especialista em direito rural, Leandro Amaral, usa uma metáfora poderosa para descrever o endividamento rural: o Rinoceronte Cinza. Diferente do Cisne Negro (evento imprevisível), o Rinoceronte Cinza é um problema grande, óbvio, vindo em nossa direção mas que insistimos em ignorar, na esperança de que ele desvie da rota de colisão.

Dois extremos que esmagam o produtor real

De um lado: sistema de crédito mais caro e seletivo. Juros elevados, redução de recursos equalizados, contratos complexos, bancos pressionando por garantias cada vez mais pesadas.

De outro lado: a narrativa que transforma o produtor inadimplente em vilão irresponsável, como se atraso no pagamento fosse, por si só, sinal de má-fé ou gestão amadora.

Entre esses extremos está o produtor real, que foi quem investiu em terra, máquinas e tecnologia, assumiu risco climático e de mercado, cumpriu uma das legislações ambientais mais exigentes do mundo, e agora precisa defender o negócio com frieza técnica em um ambiente hostil.

Para Leandro “a inadimplência no campo, na maioria dos casos, está ligada a investimento produtivo, variações de mercado e choques climáticos, não a consumo supérfluo ou aposta inconsequente.”

Fonte: Acervo Pessoal

Lonax Play – Leandro, os números da inadimplência no campo preocupam. O que realmente está acontecendo com o produtor rural brasileiro?

Leandro – Estamos vivendo o que eu chamo de uma tempestade perfeita. Temos três forças destruidoras convergindo ao mesmo tempo: custos de produção disparados (insumos, combustível, arrendamentos, máquinas financiadas), queda acentuada nos preços das commodities e juros elevados no crédito.

Os números não mentem. A inadimplência no crédito rural para pessoas físicas saltou de 0,94% em 2023 para 5,14% em 2025. E o pior: as projeções da Cepea/Esalq para a safra 2025/2026 são pessimistas, queda de 36,7% na rentabilidade da soja e 92% no milho.

Não estamos falando de uma crise passageira. Isso é um problema estrutural que demandará mais de um ciclo de produção para se recuperar, e também vai determinar quem continua produzindo e quem perde a fazenda nos próximos anos.

Fonte: Envato

Lonax Play – Você usa a metáfora do “Rinoceronte Cinza” em entrevistas e artigos seus para descrever o endividamento rural. O que isso significa?

Leandro – Exatamente. Diferente do Cisne Negro que é aquele evento imprevisível que ninguém vê chegando, o Rinoceronte Cinza é um problema enorme, óbvio, visível, vindo em nossa direção mas que todo mundo prefere ignorar, esperando que ele se desvie sozinho.

O endividamento rural é esse rinoceronte. Todos veem. Produtor vê a margem apertando. Banco vê a inadimplência crescendo. Governo vê os números. Mas ninguém age de forma preventiva.

E a verdade dura é: ele não vai se desviar sozinho. Quando atinge em cheio, as consequências são catastróficas: execuções em massa, fazendas perdidas, famílias destruídas.

Lonax Play – Muitos produtores estão correndo para renegociar suas dívidas neste momento. Qual é o perigo dessa corrida?

Leandro – O maior perigo é a “renegociação a toque de caixa”, feita no desespero, sem diagnóstico financeiro, sem assessoria técnica, apenas para tirar a pressão do banco ou da trading.

O que estou vendo acontecer em massa: produtores aceitando juros de mercado livre (18%, 20% ao ano ou mais), quando antes pagavam 8% a 10%. E pior: colocando a propriedade principal como garantia através da alienação fiduciária, sem entender as consequências jurídicas disso.

Renegociar não é problema. O problema é renegociar mal. Quando a nova parcela já nasce maior que a capacidade de geração de caixa da fazenda, você não está resolvendo o problema, está apenas trocando dívida cara por dívida mortal.

Fonte: Envato

Lonax Play – Alienação fiduciária. Muita gente confunde com hipoteca ou acha que é “só mais uma garantia”. Explique a diferença entre ambas.

Leandro – Essa é a armadilha silenciosa que está custando propriedades em todo o Brasil. A alienação fiduciária não é “só mais uma garantia”. É completamente diferente da hipoteca tradicional.
Na alienação fiduciária,  você transfere a propriedade da terra para o banco. O dono legal vira o credor. Você continua usando, mas não é mais dono enquanto a dívida existir.

Lonax Play – Qual é o checklist obrigatório que todo produtor deveria fazer antes de sentar-se numa mesa de renegociação?

Leandro – Vou te dar o roteiro de sobrevivência que oriento para todos os produtores que me procuram:

  1. Conheça seu lucro operacional real: não chute, calcule com precisão dos últimos 3 anos;
  2. Faça projeções financeiras sérias: horizonte de 3 a 10 anos, incluindo cenários pessimistas. E se o preço cair mais 20%? E se tiver clima adverso? A nova dívida cabe nesses cenários?
  3. Compare lucro operacional com taxa de juros: se os juros da renegociação consomem mais de 60-70% do seu lucro operacional, o contrato é inviável
  4. Entenda TODOS os tipos de garantias: alienação fiduciária não é igual a hipoteca. Penhor não é igual a aval. Cada garantia tem consequências jurídicas diferentes
  5. Monte uma equipe técnica: consultor financeiro e um advogado especializado. Não vá sozinho
  6. Tenha um Plano B: qual é sua estratégia de saída se a renegociação não funcionar?
  7. Evite decisões apressadas: banco pressionando? Trading ameaçando? Não assine no desespero. Pressão é tática de negociação, não emergência real;
  8. Teste do “explicar para a família”: se você não consegue explicar com clareza todos os termos do contrato para sua família, você não entendeu o contrato. Não assine !

Da redação Lonax Play.
Lincoln Gomide, Jornalista Responsável.
Com revisão da equipe de Comunicação da Lonax.

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